Quatro em cada dez crianças e
adolescentes avaliados em estudo do Instituto da Criança do Hospital das
Clínicas de São Paulo continuam sofrendo efeitos prolongados da Covid nas 12
semanas seguintes à infecção.
A conclusão reforça a necessidade da vacinação desse grupo como medida preventiva e de acompanhamento dos infectados por um período maior.
Ela se soma a um conjunto de
evidências que tem demonstrado que, assim como os adultos, o público
infantojuvenil também pode sofrer os efeitos da chamada Covid longa, entre os
mais sérios miocardite (inflamação do músculo cardíaco) e diabetes.
No estudo do HC, foi
acompanhado por quatro meses, em média, um grupo de 53 crianças e adolescentes
de 8 a 18 anos que tiveram Covid sintomática. No total, 43% delas manifestaram
sintomas persistentes. Entre eles, dor de cabeça (19%), cansaço (9%), dispneia
(8%) e dificuldade de concentração (4%). Dores musculares e nas articulares,
além de má qualidade do sono, também foram relatadas (4%).
Desse total, um quarto das
crianças continuou tendo pelo menos um dos sintomas após 12 semanas e foi
classificado como tendo Covid longa.
O estudo, publicado na revista
científica Clinics, contou também um grupo controle de crianças sem infecção
por Sars-CoV-2. Ambos foram equilibrados por idade, sexo, etnia, condição
social, IMC e doenças crônicas pediátricas.
“Esses sintomas trazem grande
impacto na qualidade de vida dessas crianças e prejuízos escolares, já que
existe um déficit de concentração”, afirma o pediatra Artur Delgado,
coordenador da UTI do Instituto da Criança e do Adolescente do HC.
As crianças seguem sendo
supervisionadas, a cada seis meses, por uma equipe multidisciplinar e
multiprofissional em um novo ambulatório montado no instituto.
Outro alerta recente sobre os
efeitos prolongados da Covid no público infantojuvenil veio dos CDC (Centros de
Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA no início deste mês. A doença foi
relacionada a um risco duas vezes e maior de desenvolvimento de diabetes em
crianças.
Os pesquisadores examinaram
bancos de dados de seguros de saúde e compararam novos diagnósticos de diabetes
em crianças que tiveram e que não tiveram Covid. A suspeita é que a doença
surja por danos no pâncreas provocados pelo Sars-CoV-2.
Segundo Sharon Saydah,
pesquisadora dos CDC, ainda não está claro se os casos de diabetes pós-Covid
serão permanentes ou temporários. É bom reforçar, no entanto, que a doença não
é o único fator de risco para a diabetes. O sedentarismo aumentou durante a
pandemia e isso levou ao aumento de peso nas crianças, o que também pode ter
contribuído para a alta dos casos da doença.
Os efeitos agudos graves da
doença, embora sejam raros, também preocupam. A taxa de mortalidade brasileira
pela síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) está em 6%,
quatro vezes superior à registrada pelos Estados Unidos.
Desde o início da pandemia,
essa síndrome já acometeu 1.450 crianças e adolescentes no Brasil, com 86
mortes, segundo o último boletim do Ministério da Saúde.
A síndrome costuma aparecer de
duas a seis semanas após uma infecção por Covid-19 geralmente branda e pode
resultar em hospitalização para crianças, com sintomas graves que envolvem o
coração e outros órgãos.
“A Covid não é tão
frequentemente grave nas crianças quanto nos adultos, mas pode ser muito grave
e deixar sequelas, como as miocardites. O risco é muito maior de sequela devido
à doença do que qualquer efeito da vacina”, afirma Delgado.
Uma revisão de dados de 5
milhões de crianças vacinadas nos EUA mostrou uma taxa de 0,05% de efeitos
adversos, a maioria brandos, como dor no local da aplicação, febre e cefaleia.
O Hospital Infantil Sabará, de
São Paulo, também está avaliando a persistência de sintomas da Covid em
crianças internadas na instituição durante a pandemia, mas o trabalho ainda
está em andamento.
No Hospital Pequeno Príncipe,
de Curitiba (PR), a maior instituição pediátrica do país que atende SUS, foi
criado um ambulatório cardiológico para acompanhar os casos de miocardite após
a fase aguda da Covid.
Os efeitos não param por aí.
“Estamos vendo muitas crianças tendo crises de enxaqueca, desenvolvendo
diabetes tipo 1, neuropatia periférica, quada de cabeça e com quadros de
depressão e ansiedade”, conta Victor Horácio de Souza Costa, infectologista
pediátrico do Pequeno Príncipe.
Segundo ele, a doença também
traz muitas manifestações clínicas na fase aguda, como insuficiência
respiratória, meningite e síndrome nefrótica (perda de proteína pela urina), e
é fundamental que a criança continue sendo acompanhada por um período após a
infecção.
Ainda não se sabe, por
exemplo, se os efeitos que ainda persistem serão permanentes ou vão desaparecer
com o tempo.
“Tivemos crianças com
miocardites que evoluíram muito bem e outras que estão sendo acompanhadas há
quase um ano, com muita dificuldade da normalização do músculo cardíaco”,
explica Costa.
O menino David, 8, faz parte
do primeiro grupo. Ele desenvolveu miocardite após a infecção por Covid, ficou
um ano sendo acompanhado no ambulatório cardiológico do Pequeno Príncipe e
agora já está recuperado.
A mãe, Sara de Souza, 37,
conta que a inflamação do músculo cardíaco foi diagnosticada durante a
internação. “O coração dele estava bem fraquinho.” David ficou 13 dias
internado, oito deles na UTI, intubado.
Sara diz que não vê a hora de
o filho ser vacinado contra a Covid. “Se eu pudesse sair gritando: vacinem,
vacinem suas crianças para não passar o que eu passei, eu faria isso. As
pessoas ainda acham que com as crianças não acontece nada.” (Informações Folha Press)