Vários brasileiros residentes em Portugal passaram por
sucessivos problemas em viagens para o Brasil, depois de recorrerem a uma suposta
agência com sede em Lisboa, que não teria registo oficial para exercer a
atividade, apesar de operar na capital portuguesa há mais de dois anos.
O Canal HP recebeu relatos de várias famílias de pessoas
que moram em Portugal, dizendo que seus parentes não puderam vir no final do
ano, devido ao golpe sofrido com a tal agência. Inclusive existem pessoas
lesadas que tem origem em Maringá, São João do Ivaí, Ivaiporã, Apucarana,
dentre outras cidades da região e do país.
Em causa está a agência de viagens Renata & Oliveira, com sede na Rua da Misericórdia, e que se publicita no Facebook e no Instagram como Viagens Radicais RVT. Trabalha como ‘braço’ em Portugal de uma empresa no Brasil, a CLJ Viagens e Turismo, a quem os visados recorriam através de mensagens de WhatsApp quando surgiam os problemas antes do embarque.
“Esta não é uma agência de viagens, é uma empresa ilegal que diz aos seus clientes que é uma agência de viagens, sem o ser”, frisa Pedro Costa Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo (APAVT), lembrando que a atividade do setor é “muito regulada” e que o “primeiro ato” é ter o Registo Nacional de Agências de Viagens e Turismo (RNAVT) certificado pelo Turismo de Portugal. “Se a empresa não o tem, não é uma agência de viagens”, resume.
O Turismo de Portugal confirmou que esta agência não tem
registo oficial para poder exercer atividade no país, remetendo o processo para
a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a quem cabe fiscalizar
este tipo de caso. Ficou apurado tratar-se da operação de uma agência de
viagens do Brasil, que, para ter instalações abertas em Portugal, precisa do
respetivo registro, tendo agora a empresa o direito a apresentar a sua defesa.
Além de agência de viagens, a Renata & Oliveira – que
funciona na Baixa lisboeta desde setembro de 2019 – promove-se na internet como
prestadora de uma série de serviços, tais como entrega de comida à domicílio,
circuitos turísticos a pé, usando veículos automóveis ou “descaraterizados” a
partir da plataforma TVDE (vulgo Uber), a par de reservas de hotel, restaurantes,
aluguéis de veículos, visitas a museus e “acontecimentos teatrais”, feiras ou
congressos, entre outros.
O Expresso contactou a agência por várias vezes, mas não
conseguiu falar com a proprietária, que estava ausente do país. Segundo
informação telefônica transmitida por uma funcionária, a empresa não tem RNAVT
por ser uma “prestadora de serviço”. Segundo a lei portuguesa, só agências de
viagens registadas e companhias aéreas podem vender bilhetes de avião, não
estando contemplada nesta atividade a figura de “prestadores de serviço”. Sobre
este caso, a APAVT é clara: “Operam na mais pura das ilegalidades”.
Família impedida de passar o Natal no Brasil
voltou atrás a meio da viagem: “Estávamos esgotados”
Uma família de brasileiros que reside em Portugal, composta
por quatro pessoas, contou ao Expresso a experiência que teve com esta agência.
Adquiriram em fevereiro de 2021 passagens de Lisboa para Curitiba, com escala
em São Paulo, sendo a partida em 6 de dezembro de 2021 e o regresso a 7 de
janeiro de 2022. A viagem (muito ansiada, já que não iam há três anos ao
Brasil) totalizou mais de dois mil euros, tendo sido pagos 709 euros de entrada
e o resto em dez prestações mensais.
Na véspera, a agência enviou uma mensagem de WhatsApp
informando que o voo no dia seguinte, de Lisboa a São Paulo (pela Air Europa)
tinha sido cancelado devido à covid-19, e seria reposto a 8 de dezembro. Para
apurar o que se tinha passado, a família foi ao Aeroporto de Lisboa e constatou
junto da companhia aérea que o voo não tinha sido cancelado, os bilhetes é que
não tinham sido pagos. “Foi mentira atrás de mentira”, alegam.
Conseguiram que lhes fossem passados bilhetes para São
Paulo, com escala em Madrid, num voo da Air Europa que saía de Lisboa a 8 de
dezembro. Na véspera, voltaram a receber mensagem de que não seria “possível
embarque”: “Tínhamos estragado tudo, éramos os culpados de a viagem não se
realizar porque tínhamos ido à companhia aérea confirmar se o bilhete era
válido, o que tinha feito com que a companhia ficasse desconfiada e tivesse
pedido documentos para comprovar que não havia fraude”.
Foram-lhes propostas duas opções: voos para o Brasil a 12
de dezembro ou o reembolso do dinheiro. Tendo optado pela devolução, a família
recebeu minutos depois a informação de que já poderiam viajar a 8 de dezembro,
mas ao chegar ao ‘check in’ os bilhetes não eram válidos. Conseguiram in
extremis voar até Madrid: “Fomos os últimos a entrar na porta”, contam.
Chegados a Madrid, após um dia inteiro no terminal, não
conseguiram prosseguir a viagem até São Paulo, e muito menos para Curitiba.
Tiveram de passar uma noite na capital espanhola, com a promessa de voos para o
dia seguinte, que depois constataram não estarem também válidos nem darem
segurança para o regresso. “Decidimos então comprar bilhetes para Lisboa por
nossa conta e regressar. Estávamos esgotados”.
No primeiro pedido de reembolso, foram insultados por
mensagem: “Disseram que tiveram prejuízos conosco, e que eu era besta”. Ao irem
presencialmente à agência foi-lhes devolvido o dinheiro pago, inclusive das
despesas em Madrid. “Isto não apaga o que passamos, o desfazer das férias com
que sonhamos o ano todo para revermos a nossa família no Brasil”, concluem.
“Percebemos que o nosso não foi o primeiro caso, e que esta
agência se aproveita da vulnerabilidade dos emigrantes brasileiros: coloca-os
nos voos que encontra a preços mais baratos, não respeita o que fica acordado,
aproveita-se de muitas vezes não terem formas de fazer queixa, por medo ou
simplesmente por não saberem a quem se dirigir sobre o que fazer”.
Voos adiados, bilhetes sem validade ao embarcar. “A nossa
saúde mental ficou muito abalada”
Também Luana (nome fictício de uma cliente, que não quer se
identificar) recorreu à mesma agência, “indicada por amigos”, no objetivo de
comprar passagens para a sogra, para dia 1 de outubro, de Lisboa a São Paulo e
prosseguindo para Cuiabá, através da companhia Azul. Os bilhetes enviados pela
RVT ficaram a 299 euros. “O preço estava muito bom”, reconhece.
No momento do check in, os bilhetes não estavam válidos por
“pagamento cancelado” do lado da agência. “A primeira desculpa é que o voo para
Madrid tinha sido cancelado” e a alternativa apresentada era uma viagem vários
dias depois ou a compra de um novo bilhete. A situação ainda se repetiu, até
que a sogra de Luana conseguiu viajar a 6 de outubro “depois de muita luta e
muita ameaça”.
Luana garante que não se volta a meter noutra situação
igual, apesar dos preços baratos e da facilidade de pagamento. “A nossa saúde
mental ficou muito abalada. Fiquei uma semana para conseguir recuperar”,
confessa.
Maria Teresa (outro nome fictício) também se assume
“enganada” pela agência, à qual comprou passagens “com bastante antecedência,
em abril”, para ir em julho de Lisboa para São Paulo, prosseguindo para
Maringá.
Ao chegar a Madrid para uma escala no voo da Air Europa,
surgiram os primeiros problemas: em vez de esperar 45 minutos, teve de ficar o
dia todo no aeroporto. Antes de apanhar o voo para São Paulo, recebeu a
indicação por telefone de que “tinha de ir de outra forma para Maringá”, porque
o voo estava cancelado. “Na realidade, a agência não tinha sequer comprado o
voo de São Paulo para Maringá”, acusa.
O que mais destaca é “a falta de humanidade da agência”:
“Foi horrível a forma como me trataram, e ao procurarem alternativas para os
bilhetes não válidos era como se me estivessem a fazer um favor”. (Informações Portal Expresso com Redação)