Das capitais às cidades do interior, o cenário é o mesmo: o número de moradores que pedem comida, roupa e trabalho vem crescendo assustadoramente. Em muitos casos, são pessoas que não conseguiram se restabelecer após a pandemia de covid-19 e, por pura necessidade de sobrevivência, estão dependendo do socorro dos programas sociais dos governos federal e estadual. Nos escritórios regionais da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf) do Estado do Paraná em Apucarana e Ivaiporã, 6.058 famílias vivem em situação de “extrema pobreza”, quando a renda mensal por pessoa não ultrapassa R$ 99.
Essas famílias estão cadastradas no programa “Renda Nossa Gente”, da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho, que complementa o repasse da transferência de renda federal aos paranaenses em condição de miséria. O objetivo é assegurar a segurança alimentar e de renda dessas pessoas. Nos dois escritórios, o governo estadual investiu R$ 2,1 milhões para esse público desde 2019, no início da pandemia.
Na regional de Apucarana, que abrange 13 municípios, foram aplicados R$ 768.734 para atender 2.506 famílias. Em Ivaiporã, que atende 19 cidades, foram R$ 1.400.408 para socorrer outras 3.552 famílias.
No entanto, o “Renda Nossa Gente” é apenas uma das ações de combate à pobreza no Paraná. Essa iniciativa integra o programa Nossa Gente Paraná, que investiu nas regionais de Apucarana e Arapongas R$ 27 milhões desde 2019. Os valores são referentes a ações desenvolvidas nas áreas de transferência e complemento de renda, habitação, segurança alimentar e inclusão social. Estão incluídos nesse investimento o programa Cartão Comida Boa, o Renda Agricultor Familiar e projetos habitacionais (desfavelamento), entre outros.
No entanto, nem sempre todas as pessoas em situação de vulnerabilidade social são alcançadas. É o caso do desempregado Paulo Sanches, de 52 anos. Divorciado, o ex-funcionário de uma fábrica de móveis de Arapongas precisou voltar a morar com os pais em Ivaiporã, que sobrevivem com a aposentadoria. “Perdi o emprego e voltei para a casa dos pais. Sem nenhuma renda, comecei a catar papelão. Nessa idade é difícil arrumar emprego”, reclama.
Embora tenha feito o cadastro em programas sociais, ele diz não receber nenhum benefício. “Alegam que meu pai é aposentado e que eu moro com ele. Mas tem o aluguel para pagar, água, luz, tem o gás, tem que fazer compra, o dinheiro não dá. Tem os remédios deles, minha mãe foi operada do coração, tem que gastar um monte. Nós passamos apurados”, diz.
Ele afirma que recebe, em média, R$ 250 por mês com o reciclado. “O papelão rende pouquinho. O dinheiro é só para ajudar nas compras do mês. Meu sonho é conseguir um trabalho para poder ajudar mais meus pais, e prosseguir com minha vida”, completou Sanches.
Queda de renda dos trabalhadores
Márcia Sousa, chefe do escritório regional da Sejuf de Apucarana não tem estatísticas de outros anos, mas assinala que os casos classificados como “extrema pobreza” aumentaram muito na região.
“A procura pelos programas públicos cresceu, sem dúvida. A gente vem de um período pós-pandemia, no qual as famílias estão tendo mais dificuldade para conseguir trabalho”, assinala. Segundo ela, a situação é ainda mais dramática na zona rural. Há menos oportunidades no campo e a remuneração caiu muito. “Encontramos um caso em que um trabalhador rural recebia R$ 6 por dia. Ele era remunerado por produção e esse era o valor que ele conseguia”, afirma. Márcia prefere não dar mais detalhes sobre o caso, que é acompanhado pela secretaria.
Ela afirma que a pobreza está mais visível. “O custo de vida aumentou muito, com a disparada dos preços dos alimentos. Apesar dos anos de experiência na área de assistência social, a gente ainda se surpreende com muitas histórias de dificuldades, de pessoas que não conseguem dinheiro suficiente para colocar a comida na mesa e ainda precisam trabalhar em serviços braçais”, comenta.
Em relação ao programa “Renda Nossa Gente”, que atende pessoas em extrema pobreza, ela afirma que a região tem três municípios prioritários: Marilândia do Sul, Mauá da Serra e Novo Itacolomi. São cidades com maior índice de vulnerabilidade social e que recebem ações extras voltadas para melhorar a renda e garantir a segurança alimentar das pessoas em situação de miséria.
Demanda por cestas básicas cresce entre pessoas empregadas
A procura por ajuda na Diocese de Apucaranaaumentou após o pico da pandemia de covid-19. Em 2020, a Igreja Católica criou o Serviço Diocesano de Caridade (Sedic) justamente para atender as pessoas em vulnerabilidade social por conta das medidas de restrição adotadas e os impactos sociais à população, principalmente a mais pobre.
O padre Anderson Cândido Bento, secretário executivo da ação evangelizadora da Diocese, se mostra preocupado com o aumento da procura por socorro mesmo após o afrouxamento das regras sanitárias. Apenas em Apucarana, são 500 cestas básicas, em média, entregues a cada mês. O número aumentou 25%. “No auge da pandemia, eram 400”, diz.
Segundo ele, há vários perfis atendidos. “No auge do pandemia atendemos muitos profissionais autônomos, que, naquela altura, perderam suas fontes de renda. Atualmente, nós temos recebido pedidos de ajuda de pessoas que têm trabalho e não conseguem completar a renda”, afirma, citando o trabalho feito também em âmbito municipal para atender essas famílias mais carentes. O município também mantém um trabalho permanente de entrega de cestas básicas.
O padre afirma que a maior demanda é consequência do aumento dos preços e da queda no poder de compra da população. As cestas básicas e os demais itens são financiados com recursos próprios e também com doações. A Diocese mantém campanhas de vendas de panetones no Natal e colombas na Páscoa, que ajudam a manter esses projetos sociais.
“Enquanto igreja, a oração é o fundamento principal, mas não há uma oração sadia sem uma verdadeira ação pelos pobres”, completa o padre.
Tribuna do Norte/Fernando Klein